INTERSECÇÕES

INTERSECÇÕES – Negros(as), indígenas e periféricos(as) na cidade de São Paulo

Em continuidade ao programa de exposições sistêmicas promovido pelo Museu da Cidade de São Paulo, INTERSECÇÕES – Negros(as), indígenas e periféricos(as) na cidade de São Paulo avança cronologicamente no espaço e na geografia da capital, não somente com o objetivo de iluminar os fazeres destes grupos e reforçar sua importância na vibrante cena cultural da cidade, mas, principalmente, na contramão do projeto nacional de apagamento dessas populações e no sentido de reinseri-las enquanto sujeitos protagonistas da historiografia paulistana.

INTERSECÇÕES apresenta um valoroso conjunto de movimentos culturais, artistas, processos e encontros, bem como locais de convivência (e convergência) que, a partir da década de 1980, concomitantemente aos fatores de resistência comum à vida dessas maiorias minorizadas, e atuando na interseccionalidade histórica e socialmente imposta às populações negra, periférica, indígena e LGBTQIA+, forneceram elementos não somente para a celebração coletiva, como para a possibilidade de uma “vida comum” em uma sociedade onde o racismo, o sexismo e a homofobia são inseparáveis.

Ainda que o conceito de “cidadão comum” possa endossar, mesmo que inconscientemente, a ideia de que há pessoas “especiais” ou “superiores”, as iniciativas presentes nesta exposição apresentam-se como possibilidades catárticas que não imputam aos seus participantes e idealizadores o fardo de terem de possuir uma história de superação por serem quem são ou como são. Pelo contrário. Para eles, a celebração coletiva é redentora e as diferenças mútuas (e não dominantes), catalisadoras de potencialidades criativas e emancipatórias. “A periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor”, defende o poeta Sérgio Vaz no Manifesto da Antropofagia Periférica.

São periferias unidas por um movimento que vai além das subjetividades, como ensina Tiaraju Pablo D’andrea. Um povo que é cria, tem orgulho de pertencer à quebrada e atua politicamente para defender os que nela habitam. Assim ele define o(a) sujeito(a)(e) periférico(a)(e), um novo conceito na sociologia.

A periferia é formada, majoritariamente, por negros e negras, imigrantes e migrantes – e também indígenas – que se interseccionam em movimento. Citando Caetano e Gil, é “a grandeza épica de um povo em formação”. INTERSECÇÕES pretende explorar essa diversidade trazendo para o Museu da Cidade seus territórios, sujeitos, sujeitas, sujeites e imaginários.

Território, aliás, para o morador de periferia, é lugar de fixação, é o universo que ele enxerga da laje de sua casa. O desenho do território periférico se define pelas relações locais de afeto: os bares, as igrejas e terreiros, o futebol, a feira, os fluxos. Para os negros e negras, a noção de território tem um componente a mais: são espaços de encontros e afirmação de suas identidades, são os bailes black, as rodas de samba, a Estação São Bento do metrô, onde se articulou o movimento hip hop; a Galeria 24 de Maio, a Feira Preta atualmente.

Os indígenas, por sua vez, entendem o território como espaço demarcado sobre o qual erguem uma nação. É onde estão os guardiões e guardiãs da mata e da tradição do Bem Viver. Terra de encantamento e celebração. A última cachoeira limpa da cidade de São Paulo é preservada pelos guaranis da terra Tenondé Porã, em Parelheiros, e sua água está exposta aqui no Museu.

Negros, negras, indígenas, periféricos e periféricas não formam uma massa subalterna e alienada; são sujeitos, sujeites e sujeitas do tempo e do espaço no qual a história se constrói, tijolo por tijolo. A organização política do negro e do periférico tem como base a luta por moradia. Tendo a casa, os demais direitos são conquistados: luz, água, saneamento, asfalto, transporte, educação, saúde. A cultura também é um direito a ser defendido, mas o povo faz cultura mesmo na ausência do Estado. Pretos, periféricos e indígenas desenvolveram o “nós por nós”, a “sevirologia” e outras tecnologias sociais e culturais e tendências a partir de uma cosmovisão ancestral. O empreendedorismo é uma invenção das mulheres negras!

As intersecções entre negros, negras, indígenas, periféricos e periféricas habitam o universo simbólico que inspira as artes e a cultura na Metrópole. Há uma sintaxe periférica e black que elabora expressões como “da ponte pra cá”, “cria da quebrada”, “é nóis que tá”, “a rua é nóis”, “pokazideia”. Negros e periféricos criam moda, culinária, música, dança, teatro, cinema e uma literatura das mais vigorosas, que vai de Maria Firmina dos Reis a Thauane Teodoro, numa linhagem de quase 200 anos de escrita marginal. Os indígenas sabiamente cruzam as tradições milenares com as formas contemporâneas dos “juruá”, num hibridismo cultural instigante, quebrando o paradigma equivocado da aculturação.

Emicida já deu a letra: “arte é ocupar!”

Tudo junto e misturado porque a cultura não é compartimentada, muito menos hierarquizada.

A intersecção saiu da geometria e se fez verbo na periferia. Interseccione-se!

Adriana Barbosa, Nabor Jr. e Eleilson Leite
Curadores

©Vic Von Poser. Intersecções. Casa da Imagem/ MCSP, 2023.

INTERSECÇÕES – Negros(as), indígenas e periféricos(as) na cidade de São Paulo

Solar da Marquesa de Santos  e Casa da Imagem | Museu da Cidade de São Paulo
Rua Roberto Simonsen, 136 – Sé – São Paulo – SP (próximo à estação Sé do metrô).

25 de janeiro de 2023 a 28 de julho de 2024 [PRORROGADA!]
Terça a domingo, das 9 às 17h.

Entrada gratuita, sem necessidade de agendamento ou retirada de ingresso.
Serviço educativo disponível.
Intérprete em libras disponível, com agendamento prévio a partir do e-mail: educativomuseudacidade@gmail.com

  

©Vic Von Poser. Intersecções. Solar da Marquesa de Santos/ MCSP, 2023.

MICROFESTIVAL DE CINEMA NEGRO PAULISTANO – HOMENS NA DIREÇÃO

Museu da Cidade de São Paulo recebe mostra com curadoria de Nabor Jr. nos dias 7, 8 e 9 de novembro de 2023.

O Microfestival de Cinema Negro Paulistano – Homens na Direção, ação integrante da exposição Intersecções – Negros(as), Indígenas e Periféricos(as) na cidade de São Paulo, apresenta, como o próprio nome sugere, um microrrecorte da produção cinematográfica de homens negros atuantes na cidade de São Paulo. Ari Cândido Fernandes, Billy Castilho e Guilherme Botelho, homens de diferentes gerações e com as respectivas particularidades em seus conceitos estéticos quando o assunto é direção cinematográfica, apresentam um recorte de suas produções nesse encontro. Após a exibição dos filmes ocorrerá um bate-papo com os diretores Billy Castilho e Guilherme Botelho e com o curador Nabor Jr.. O Microfestival de Cinema Negro Paulistano – Homens na Direção homenageia também o cinema do veterano Ari Cândido Fernandes (1951-2023). Falecido no último mês de agosto, Ari foi um dos expoentes do movimento negro e, desde muito jovem, dedicou-se às artes, com especial produção vinculada à fotografia (é considerado o primeiro fotojornalista de guerra negro do País) e ao cinema, onde se destacam os premiados Martinho da Vila, Paris 1977, Por que a Eritreia? (1979), O Rito de Ismael Ivo (2003), O Moleque (2005), Pacaembu – Terras Alagadas (2006) e Jardim Beleléu (2009).

Curadoria: Nabor Jr.

SOBRE OS DIRETORES

Ari Cândido Fernandes: Nascido em Londrina, no Paraná, Ari Cândido Fernandes (1951-2023), cursou cinema na Universidade de Brasília. Em 1971, ameaçado pela ditadura, partiu para a Suécia. De Estocolmo foi para Paris, onde, a partir de 1975, continuou sua formação em cinema na Nouvelle Sorbonne.  De volta ao Brasil, viveu desde o início dos anos 1980 na cidade de São Paulo. Lecionou Fotojornalismo na UNITAU-Taubaté e na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. Atuou também como Assessor para Assuntos Afro-brasileiros na Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo de 1983 até 1987. Dirigiu os premiados curtas-metragens Martinho da Vila, Paris 1977 (1977), Por que a Eritreia? (1979), O Rito de Ismael Ivo (2003), O Moleque (2005), Pacaembu – Terras Alagadas (2006) e Jardim Beleléu (2009). Com atuação como repórter fotográfico de guerra nos anos 1970 ( foi fotógrafo nas Agências GAMMA- PARIS e CAMERA PRESS – LONDRES) e participação no movimento Dogma Feijoada — movimento de diretores e profissionais negros do audiovisual de São Paulo que, desde o final da década de 1990, preconizava a necessidade de ressignificar as imagens e as representações sobre o negro no cinema brasileiro.  Ari é um dos principais representantes do cinema negro brasileiro.

Guilherme Botelho: Bacharel em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), autor do livro Quanto vale o show? O fino Rap de Athalyba-Man, diretor do documentário Nos Tempos da São Bento; DJ desde 1995 e membro do coletivo de Hip Hop SUATITUDE.

Billy Castilho: Estudou Arquitetura e Urbanismo na Faculdade Belas Artes de SP, mas trocou o diploma no 10º semestre por acompanhar o icônico grupo de teatro Asdrubal Trouxe o Trombone. Diretor de arte com uma sólida e premiada carreira de mais de 30 anos atuando na publicidade e no audiovisual, Billy participou também das empreitadas iniciais do Dogma Feijoada. 

SINOPSES

Jardim Beleléu
Adaptação livre e autorizada do pequeno conto Não Era Uma Vez, do escritor Cuti (pseudônimo de Luís Silva). Conta a história de um metalúrgico que é assaltado num ônibus e perde o salário do mês. Um dia avista um dos assaltantes e o persegue, só que sua vingança acaba não se concretizando. O elenco é formado por José Wilker, Flávio Bauraqui e Thalma de Freitas. O filme é uma homenagem ao músico e compositor Itamar Assumpção.
Duração: 15min
Ano: 2009

O Rito de Ismael Ivo
Conta a vida do bailarino negro Ismael Ivo, por meio de performances e depoimentos sobre a dança e as dificuldades sociais enfrentadas para superar obstáculos e atingir uma posição satisfatória na profissão. Vindo de uma família pobre da periferia de São Paulo (SP), Ismael deixa o Brasil no início da década de 1980 e torna-se famoso e consagrado artista no exterior.
Duração: 12min
Ano: 2003

Nos tempos da São Bento
Documentário que busca a memória coletiva do hip-hop. Um dos intuitos é resgatar a memória daqueles que fizeram a história do hip-hop, que ocupou durante vários anos um espaço no Metrô São Bento, no Centro da cidade de São Paulo. Minuciosa, a estrutura discursiva nos leva ao conflito com o esquecimento; o ato social de se apagar fatos, pessoas e grupos da história. É justamente esse conflito, apresentado por meio do exercício da narrativa, que se transforma em ação dramática, onde a personagem principal é a memória coletiva. 
Duração: 152min
Ano: 2010

Ordinária
Gravado durante uma festa em São Paulo no final dos anos 1990, o curta-metragem é repleto de figuras conhecidas da noite paulistana do período, fazendo caricaturas delas mesmas. Ordinária marcou a estreia em direção de filmes do superpremiado publicitário Billy Castilho.
Duração: 19min
Ano: 1997


PROGRAMAÇÃO

07 de novembro (terça-feira), às 15h
Exibição do curta: Ordinária (1997, 19min)
Direção: Billy Castilho
Conversa com Billy Castilho e mediação de Nabor Jr.

08 de novembro (quarta-feira), às 15h
Exibição de: Jardim Beleléu  (2009, 15min) e O Rito de Ismael Ivo (2003, 12min)
Direção: Ari Cândido Fernandes
Conversa com Nabor Jr.

09 de novembro (quinta-feira), às 14h
Exibição do documentário: Nos tempos da São Bento (2010, 152min)
Direção: Guilherme Botelho
Conversa com Guilherme Botelho e mediação de Nabor Jr.

LOCAL
Auditório do Solar da Marquesa de Santos/ Museu da Cidade de São Paulo
Rua Roberto Simonsen, 136. Sé, São Paulo – SP