Diálogos no Museu: Solar sem a Marquesa

Ao se falar no Solar da Marquesa de Santos, localizado no Centro Histórico de São Paulo, automaticamente vem à lembrança de muitas pessoas um dos casos extraconjugais mais famosos da história nacional, que foi a relação entre Domitila de Castro Canto e Melo e o Imperador D. Pedro I.

Deve-se notar, no entanto, que os casamentos reais eram arranjos políticos que objetivavam constituir alianças que colaborassem para a manutenção do poder do soberano. Assim sendo, as ligações afetivas entre esses casais, como no famoso caso da Rainha Vitória e do Príncipe Albert, da Inglaterra, eram menos comuns. A praxe, portanto, era que o rei buscasse a compensação emocional em relações extraconjugais, e tal conduta era amplamente adotada nas cortes europeias. Claro que, para essas esposas, não vogava o mesmo direito, posto que se deveria assegurar a legitimidade da prole, de modo a manter supremacia da dinastia.

Desse modo, o caso entre a Titilia e o Demonão foi mais um dentre tantos outros. O próprio D. Pedro II teve diversas amantes, sendo a mais famosa e preferida a Condessa de Barral. A singularidade da situação talvez esteja no fato de a Imperatriz Leopoldina ter se apaixonado pelo marido e a circunstância de ser obrigada a conviver com a amante dele como sua dama camarista, o que lhe trouxe enorme desgosto e abatimento, fazendo com que cogitasse, inclusive, a possibilidade de retorno à sua terra natal. Especula-se, aliás, que tal fato tenha colaborado para a morte prematura da imperatriz.

De qualquer modo, após a morte da esposa, D. Pedro I vê-se diante da necessidade de encontrar uma substituta, o que o leva a encerrar seu caso tórrido com amor com Domitila. Dessa maneira, a mulher que retorna a São Paulo e adquire as duas propriedades que formarão o seu Solar não é mais amante do imperador. A única coisa que manteve de seu período na Corte foi a riqueza, que lhe permitiu iniciar uma nova fase de vida como benemérita dos acadêmicos de Direito do Largo de São Francisco e das irmãs carmelitas. Além de serem famosas as festas que promovia. Não se pode deixar de citar que, nesse período, também se casou com o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, presidente da Província de São Paulo (cargo semelhante ao de governador), com o qual teve quatro filhos.

Assim sendo, o Solar da Marquesa é de uma fase da vida de Domitila muito diferente do que vivia na Corte. Em todo caso, permanece a questão: o que justificou o tombamento do imóvel foi o simples fato de ter pertencido a essa personagem histórica emblemática? Se a resposta for sim, então ter-se-á a conversão do imóvel em palco para entretenimento e espetacularização, o que gera o que se chama de fetiche do patrimônio. Destaca-se, ainda, essa residência do seu valor histórico real para se atribuir a ela um valor cultural diverso daquele para a qual foi construída e utilizada. Note-se, todavia, que a relação com o Imperador é pregressa à aquisição e moradia no imóvel, bem como de outras posses e usos posteriores à sua morte, mas tudo fica resumido à pecha de amante do Imperador.

Por outro lado, o imóvel pode ser visto como um exemplar relevante para a urbanização paulistana, tanto pela sua ancianidade (construído no século XVIII) quanto pela sua técnica construtiva (taipa de pilão e taipa de mão). Neste caso, observa-se o edifício em contexto, colaborando na reconstrução do panorama do Centro Histórico quando habitado pela elite paulistana, antes do seu processo de afastamento para morar em locais cada vez mais distantes e exclusivos. É, consequentemente, um exemplar que marca o estilo de vida de um grupo social, em um determinado tempo, com seus usos e costumes que geravam disposições de cômodos específicas e formas de embelezamento característicos. Isso pode parecer muito menos atrativo, mas, se esta tivesse sido a residência de uma personagem menos conhecida, mesmo sendo um dos raros exemplares de casa de taipa que remanescem na capital, sua importância para preservação não seria a mesma?

Para apresentar esse Solar, em suas características arquitetônicas e históricas, o Museu da Cidade de São Paulo, por meio de seu programa Diálogos no Museu, traz a arquiteta Regina Helena Vieira Santos, curadora da exposição “Solar, o sobrado da rua do Carmo 3: o edifício como documento” que, em parceria com a FAU-USP e a “Università Degli Studi Firenzi”, fez um estudo detalhado do edifício de modo a apresentá-lo em sua intimidade, sem, para tanto, precisar vasculhar a intimidade de sua mais conhecida moradora.

Danilo Montingelli
Coordenador Geral
Programa Diálogos no Museu
Museu da Cidade de São Paulo


Data: 06/08/2021
Horário: 17h
Duração: até 120 minutos
Link para acesso: bit.ly/dialogos_solar
Acessível em libras


Imagem da arte retirada do próprio site do Museu da Cidade de São Paulo.