Amefrikah, de Ramo


Mover as ondas do mar para banhar a alma e o presente

Sem dúvidas, um dos maiores acontecimentos da história recente foi o tráfico Atlântico, os desdobramentos promovidos por ele e suas consequências promoveram traumas que até hoje buscamos curar. Um crime alastrado a indivíduos e coletivos, penetrando no modo como a sociedade se organiza, promovendo hierarquias, poderes e disputas, disseminando vidas e impactando nas imaginações. 

Pessoas negras, sejam elas pretas ou “mestiças”, africanas ou afrodiaspóricas, em algum momento de suas vidas, têm que lidar com a memória desse ato desumanizador. Ser um sujeito negro no mundo é ter que buscar vias para não sucumbir diante disso. E, apesar do tempo histórico ser o mesmo para todos, os modos de encarar a situação são distintos. Alguns sentem mais que outros, lidam melhor, compreendem seus efeitos e reagem conscientemente, outros, nem sempre entendem tal historicidade e as consequências, mas seguem na luta diária pela sobrevivência.

Ao longo desses mais de cinco séculos, autores e autoras tentaram apontar vias de reescrita histórica, observando para além das dores e das subalternidades. Lélia González (1935-1994) foi uma delas. Além de ter construído uma intensa trajetória intelectual, envolvendo-se com os movimentos sociais e políticos do país, González proporcionou imensas contribuições. Observar a territorialidade atlântica com lupas para a emancipação dos sujeitos negros e negras foi um modo de ela reafirmar sua existência e a de milhares de pessoas. Ao formular termos como “améfrica” e “pretoguês”, Lélia González não estava preocupada apenas em discutir a linguagem, mas em reposicionar os sujeitos, seus tempos e suas histórias. 

Améfrica é redefinir fronteiras terrestres, corpos e tempo. Ser amefricana é compreender que não se trata apenas de uma história compartilhada pelo Atlântico, mas de permanências a partir dele e daquilo que foi construído nos solos compreendidos como Américas. 

Com o projeto Amefrikah, o artista plástico Ramo percorre as linhas de Lélia González para criar visualidades que compilam símbolos de lutas e conhecimentos referenciados aos movimentos negros nas Américas e na África. Acessando diversos símbolos nacionais, projetados em formato de bandeira, geram-se novas imagens para as identidades deste território. São códigos que vão desde signos panafricanistas internacionais aos conectados com diferentes cosmologias indígenas no Brasil. 

É um gesto complexo que envolve aproximações, dribles, retomadas, reviravoltas, redemoinhos e ventanias. Em um apanhado de visualidades e reconexões, centralizadas nas existências de mulheres negras, pretas, latino-americanas e caribenhas, Ramo nos convoca para um banho das ondas do mar amefricano, aponta os novos futuros que precisamos e reposiciona história, memória e tempo por meio de imagens de lutas. 

Luciara Ribeiro
Curadora, educadora, pesquisadora e docente na Faculdade Santa Marcelina



Amefrikah | Ramo

Casa da Imagem | Museu da Cidade de São Paulo
Rua Roberto Simonsen, 136B – Sé – São Paulo – SP (próximo à estação Sé do metrô).

27 de agosto de 2022 a 20 de novembro de 2022 [Prorrogada!]
Terça a domingo, das 9 às 17h.

Entrada gratuita, sem necessidade de agendamento ou retirada de ingresso.
Serviço educativo disponível.
Intérprete em libras disponível, com agendamento prévio a partir do e-mail: educativomuseudacidade@gmail.com

  

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