“A Encosta do Carmo”, segunda edição do Museu de Rua

A Encosta do Carmo – Museu de Rua 2a Edição
Curadoria: 
Walter Pires
Organização: Henrique Siqueira

Calçada da Casa da Imagem
Rua Roberto Simonsen, 136 B – Sé – São Paulo – SP (próximo à estação Sé do metrô)

10 de outubro de 2020 a 15 de março de 2021
Entrada franca
Serviço educativo disponível 

Intérprete em libras disponível, com agendamento prévio a partir do e-mail: educativomuseudacidade@gmail.com

Imagens da exposição: Acervo do Banco Itaú, Acervo fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo e Arquivo Histórico Municipal.
Foto de capa: Ivo Justino – Parque Dom Pedro II, 1971. Foto acima: Exposição Encosta do Carmo/ Museu de Rua, 2020.

O tema desta exposição refere-se a um dos espaços urbanos mais significativos da cidade de São Paulo: a área conhecida, no passado, como Várzea do Carmo, que correspondia ao trecho do Rio Tamanduateí, que margeava a colina histórica onde a cidade se desenvolveu.

Os rios, desde a Antiguidade, são elementos geográficos de enorme importância para a implantação e o crescimento de aglomerados urbanos. São relevantes como meios de transporte, pela navegação fluvial; como abastecimento de alimentos, pela pesca ou pela fertilidade que transmitem para suas margens; como proteção, contra ameaças de inimigos; e, não menos importante, como espaços de lazer, de fruição, de qualidade paisagística e ambiental.

O nosso Rio Tamanduateí cumpriu esse papel ao longo de muito tempo. Transportava habitantes, víveres e bens da região da Serra do Mar até a pequena vila paulistana, e dali em direção ao Tietê, do qual é afluente importante. Em suas águas, pescava-se, e isso propiciou o surgimento de um agrupamento de pescadores no antigo Pari, que comerciavam o que coletavam em feiras modestas no centro histórico. E foi espaço, a partir de meados do século XX, constantemente modificado, onde se criaram ambientes agradáveis – com jardins, esculturas e alamedas – para fruição e divertimento da população.

Os Campos de Piratininga, assim denominados pelos portugueses colonizadores, já eram uma região de circulação e assentamento de grupos indígenas há milênios. Na metade do século XVI é fundado o modesto colégio jesuítico, sobre uma colina, bem escolhida, a salvo das enchentes dos principais rios vizinhos: Tietê (o Anhembi) e Tamanduateí.

A colina onde se localizou inicialmente esse modesto ajuntamento permitia vigiar quem chegava pelos rios ou pelos peabirus (antigos caminhos indígenas). E era o ponto central, estratégico, de um conjunto de campos e caminhos, num planalto que dava acesso a outras áreas de um território ainda desconhecido pelos europeus. Demoraria ainda para esses colonizadores conhecerem e conquistarem essa geografia inóspita, à custa de muitas vidas.

Mas o Colégio e a Vila de São Paulo cresciam e o rio navegável mais próximo da colina conduzia ao grande rio do planalto de Piratininga – o Tietê: caminho das monções, da vontade do ouro e da prata, de novos territórios, de conquista violenta e escravizadora, de muitas e diversas águas.

Quando a cidade começa a acelerar seu crescimento, no século XIX, a área da Várzea do Carmo passou a ser um problema. Além das intensas enchentes periódicas e do lixo acumulado, a área alagadiça era uma barreira espacial para a cidade, que se expandia em direção aos bairros industriais, situados ao longo das ferrovias.

No decorrer do século XIX, um conjunto de obras de retificação e canalização do rio, e de urbanização de suas margens, iria culminar, nas primeiras décadas do século XX, com o grande projeto do Parque Dom Pedro II, que incluiu a construção do Palácio das Indústrias. Espaço público que celebrava a Independência e a monarquia, o Parque representava, também, uma visão idealizada de uma São Paulo fabril, e de imigrantes, que crescia.

Mesmo essa proposta real e simbólica não foi duradoura. Já nas décadas de 1930 e 1940, obras viárias de grande porte prenunciavam a cidade dependente do veículo a motor, iniciando um intenso processo de alteração do grande Parque. Mudanças que irão se consolidar, nos anos 1960 e 1970, com as vias expressas e viadutos que descaracterizam gravemente o desenho desse espaço público.

É a metrópole, com suas contradições profundas, que hoje se espelha nessa grande área marginal ao Centro paulistano: antigos edifícios reapropriados ou aguardando destinação (Palácio das Indústrias, Casa das Retortas, antigo Quartel); estruturas viárias e novos sistemas de transporte de massa seccionando sua paisagem (Metrô, Fura-Fila); o Rio Tamanduateí, força da natureza que condicionou essa história, quase esquecido, escondido em seu canal lodoso…

As imagens escolhidas para este Museu de Rua procuram registrar, ao longo de 200 anos, as relevantes e contrastantes funções que a várzea do Tamanduateí assumiu para a São Paulo que ajudou a criar e consolidar. Uma cidade que parece não mais lembrar dessa contribuição tão relevante.

Esperamos que esta exposição nos ajude a tirar do esquecimento o significado histórico, e vital, que elementos da natureza como o Tamanduateí representam para nossa existência – e para nossas memórias.

Walter Pires
Curador