Ozi Stencil – 35 anos de Street Art

O ser humano vem deixando inscrições nos mais diferentes tipos de superfícies, desde o seu remoto surgimento no planeta: nas representações artísticas feitas nas rochas, durante a Pré-história, com a arte rupestre; passando pelas gravações em ponta-seca inscritas nas paredes, durante o Império Romano; nos atemporais corações desenhados em árvores, com as iniciais de seus autores; nos riscos que contabilizam os dias em uma cela; ou, ainda, na tinta de piche que pode expressar vários tipos de mensagens nas paredes. Esse instinto primitivo está dentro de cada um de nós, desde muito pequenos. Afinal, quem nunca rabiscou uma parede?

Nos anos 1950, os jovens americanos protagonizaram o início do movimento de Contracultura, no qual reivindicavam uma nova dinâmica de vida, opondo-se aos valores, costumes, tradições e hábitos daquela época, e por isso também foram classificados de underground, alternativos ou simplesmente de marginais. Nos anos seguintes, a rebeldia e a insatisfação com a cultura vigente ganharam mais força e espalharam-se para outras metrópoles, até que em maio de 1968, em Paris, essas contestações proporcionaram o surgimento de uma nova estética e os muros da cidade foram tomados por mensagens de caráter poético-políticas. A partir de então, essa prática foi multiplicada em outros lugares, sob diferentes tipos de contextos e formatos. Com isto, a transgressão passou a delinear as tribos urbanas, sobretudo nos movimentos periféricos, entre os quais o Hip Hop possui um protagonismo incontestável na Street Art.

            No Brasil, o graffiti tem a sua gênese na década de 1980, na cidade de São Paulo, pelas mãos de Alex Vallauri (1949-1987), que escolheu o estêncil para desenvolver o seu trabalho. Nascido em Asmara, Eritreia, antiga Etiópia, e de alma brasileira, em pouco tempo suas intervenções irreverentes começaram a chamar a atenção de todos e mudar a paisagem urbana. Vallauri conseguiu mobilizar um grupo de artistas que trouxeram arte para as ruas e fizeram história na cena urbana brasileira, entre eles Ozi. Inserido naquela atmosfera libertária e precursora, Ozi viu a oportunidade de criar livremente, lançando mão de recursos da sua formação publicitária para produzir um repertório fascinante que, desde então, não tem aliviado ninguém em suas críticas inteligentes e repletas de bom humor.

            A exposição Ozi Stencil – 35 anos de Street Art, que o Museu da Cidade de São Paulo – Chácara Lane – abriga, proporciona uma viagem nas mais de três décadas de trabalho do artista, na qual é possível perceber as variadas formas de aplicação do estêncil, sem deixar de se conectar diretamente com a sua atuação nas ruas. Nos três pisos do casarão histórico construído em 1906, o artista exibe obras em grandes formatos, da série Wallpaper, justamente para reproduzir a estética aplicada por ele nas periferias das cidades, principalmente nos locais onde a arte dificilmente chega. Para cada ambiente expositivo é apresentada uma proposta diferente, quando o visitante pode perceber a pluralidade dos temas e suportes utilizados e nem mesmo as lareiras passaram despercebidas pelo artista. 

            Surpreendentemente, é a primeira vez que um acervo desse porte está sendo apresentado em São Paulo, berço do graffiti, sobre o trabalho dessa figura conhecida e respeitada por todas as gerações da Street Art da cidade. A exposição é composta de mais de 100 obras de diversos períodos, estudos, desenhos, cadernos de artista e as primeiras matrizes de estêncil que ele criou, além de uma área biográfica que remonta a sua trajetória profissional, por meio de dois documentários e ampliações fotográficas do arquivo pessoal do artista. Esta retrospectiva é mais que merecida, para reconhecer a dimensão do trabalho desse artista cuja biografia se mistura com a própria história da Street Art brasileira e que segue em plena atividade no meio com o qual ele mais se identifica: a rua!

Marco Antonio Teobaldo
Curador

©Marco Antonio Teobaldo, 2021.