Uma ponte entre dois mundos. Metade submersa, metade voltada ao céu, a vitória-régia é um dos seres vegetais mais simbólicos da região amazônica. Combina transformação, erotismo vegetal e inteligência adaptativa, já que caminha de forma desenvolta no hibridismo que a vida lhe proporciona. O fenômeno natural que envolve sua floração é testemunho disso. Composto de duas noites, dois gêneros e duas cores, apresenta-se como uma coreografia entre tempo e luz. É sobre seu vasto universo simbólico e sensorial que se trata O mergulho de Naïá, instalação site-specific criada para o Beco do Pinto | Museu da Cidade de São Paulo pela artista multidisciplinar e pesquisadora olfativa Karola Braga.
Em um ritual amoroso entre planta e inseto, a vitória-régia apresenta-se, na primeira noite de seu florescimento, branca e feminina, exalando um perfume adocicado para atrair os insetos. Na manhã seguinte, ela se fecha, aprisionando esses besouros, cobertos de néctar e pólen, para, no entardecer do segundo dia, reabrir sua flor, agora rosa e masculina, libertando os bichos para polinizarem outras de sua mesma espécie. É nessa noite que a flor afunda nas águas para amadurecer seu fruto e liberar as sementes. Dessa forma, representa uma androgênese vegetal, a flor que contém em si o feminino e o masculino, alternando-os no tempo, unindo luz e escuridão, nascimento e morte, perfume e silêncio. Esse majestoso ciclo ganha uma interpretação poética da artista nesta instalação, na qual se aproveita dos degraus do espaço ao ar livre, localizado no coração de São Paulo, para mergulhar os visitantes entre aromas e perspectivas distintas das flores esculpidas.
Tal submersão simbólica do espectador no ambiente expositivo também representa o mergulho de Naïá, protagonista da fábula tupi sobre o nascimento da vitória-régia. Nela, a deusa Lua, conhecida como Jaci, tem o poder de transformar as mais belas mulheres em estrelas, alçando-as ao céu. A jovem Naïá sonhava em ser escolhida para viver ao lado da deusa. No entanto, sua vez nunca chegava. Até que, certa noite, para sua alegria, viu o reflexo de Jaci nas águas do rio. Sem pensar, mergulhou fundo para alcançá-la, mas a Lua não estava lá – apenas seu reflexo – e, assim, a jovem afogou-se nas águas profundas. Comovida, Jaci decidiu transformá-la em uma estrela da água, a vitória-régia, flor que à noite acolhe os raios lunares.
O mergulho de Naïá em busca de Jaci representa filosoficamente a experiência do amar, tema que permeia a pesquisa de Karola Braga, que investiga assuntos interconectados à memória, presença e ausência e sentimentos acessados de forma sensorial. Sua pesquisa olfativa busca tornar visível o invisível, criando experiências que despertam e unificam nosso mundo exterior com o vasto universo que nos preenche interiormente.
Curadora Ana Carolina Ralston