© Marcelo Venzon.

Cabodá

São Paulo, novembro de 2026 –  A artista paulistana Márcia Pastore inaugura, em 16 de novembro, na Capela do Morumbi/Museu da Cidade de São Paulo, a instalação inédita Cabodá. Com realização da Prefeitura de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura, o projeto parte da própria estrutura da capela, construída em taipa de pilão, para criar uma obra que conecta interior e exterior do edifício. A partir dos vazios deixados no processo construtivo, Pastore transforma elementos arquitetônicos em escultura e propõe uma reflexão sobre equilíbrio, corpo e espaço.

A obra tem origem na observação dos furos deixados pelas travessas de madeira utilizadas na construção em taipa de pilão, conhecidas como cabodás. Durante o processo de erguer uma parede, essas travessas sustentam o molde enquanto o barro é compactado; quando retiradas, deixam orifícios que permanecem como marcas da ausência. A partir desses “vestígios”, Pastore concebeu gangorras em ferro e argila, cada uma atravessando um dos furos originais da parede do altar. As peças se projetam entre o interior e o exterior da capela, conectadas por um mesmo eixo, mas separadas pela parede, num sistema de forças que mantém o equilíbrio sem contato visual.

Essa tensão invisível — entre o que sustenta e o que é sustentado — sintetiza a pesquisa da artista, marcada pela observação das estruturas físicas e simbólicas do espaço. “Sempre me interessou o modo como a arquitetura e o corpo se sustentam mutuamente. Em Cabodá, esse equilíbrio aparece entre o que é visível e o que permanece oculto. A parede da capela separa as partes, mas também as conecta. É um trabalho sobre a força que existe no que não se vê — sobre a presença que se constrói a partir da ausência”.

Cabodá torna visível o modo como o corpo e a arquitetura se afetam mutuamente. As gangorras, apoiadas em cavaletes de alturas variáveis, configuram uma coreografia estática de pesos e contrapontos. Para que um corpo se eleve, outro precisa tocar o chão. A força de um existe apenas pela resistência do outro. A parede, por sua vez, separa e conecta, funcionando como limite e mediadora — uma membrana entre dois mundos que se equilibram sem se ver. 

A artista realizou uma imersão em uma olaria no interior paulista para desenvolver as peças de argila que compõem o trabalho. Durante o processo, testou deformações em blocos cerâmicos industriais, batendo-os contra a parede até que perdessem as arestas e ganhassem forma cilíndrica, próxima à dos vazios da taipa. O gesto, quase performático, é tanto físico quanto simbólico: um embate entre corpo e matéria que evidencia a resistência do material e a dimensão experimental de sua prática. 

A arte acontece quando há diálogo com a resistência. Não se trata de dominar a matéria, mas de aprender com ela”, sintetiza a artista.

Ao longo de mais de três décadas, Márcia Pastore consolidou uma trajetória singular na arte contemporânea brasileira, investigando a plasticidade dos materiais e as formas de ocupação do espaço. Sua pesquisa combina técnicas da escultura, da engenharia e da arquitetura, incorporando estruturas pré-fabricadas, prumos, roldanas e materiais maleáveis como gesso, breu e parafina. 

A moldagem, recorrente em sua obra, é tanto procedimento construtivo quanto metáfora — um modo de convocar o público a perceber o espaço como extensão do corpo. Em Cabodá, esse princípio atinge novo grau de síntese: a escultura se confunde com a própria estrutura que a acolhe, revelando as linhas invisíveis que mantêm o edifício de pé.

Pastore já realizou exposições individuais em instituições como a Pinacoteca de São Paulo, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-RJ), o Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE) e a Fundação Ema Klabin. Seus trabalhos integram acervos da Pinacoteca, do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), do MAC USP e da Fundação Marcos Amaro, entre outros.

Em Cabodá, a artista amplia esse percurso com um trabalho de precisão formal e densidade poética. Ao transformar os vazios da taipa em corpos de argila e ferro, Pastore propõe uma escuta atenta da arquitetura e de sua memória material. O resultado é uma instalação que atravessa o tempo e o espaço, fazendo da Capela do Morumbi não apenas um cenário expositivo, mas um organismo em equilíbrio, sustentado por forças que raramente se veem, mas sempre se sentem.

Cabodá

Capela do Morumbi | Museu da Cidade de São Paulo
Av. Morumbi, 5387, Morumbi, São Paulo

16 de novembro de 2025 a 31 de maio de 2026
Terça a domingo, das 9 às 17h.

Entrada gratuita, sem necessidade de agendamento ou retirada de ingresso.
Serviço educativo disponível.
Intérprete em libras disponível, com agendamento prévio a partir do e-mail: educativomuseudacidade@gmail.com